sábado, 10 de agosto de 2019

Pabulagem







A pessoa que emprega o gerundismo está convicta de que inventou a roda. É a pessoa que se diz letrada, que caminha num passo diferente. É aquela que teve a chance de frequentar a escola, ao menos ter acesso aos livros didáticos, receber lições de regras e exceções da língua. Há exemplos desse tipo que, dependendo do estágio social em que se encontra, usa o gerúndio como se fosse um mérito da fala. Sim. Em geral, é utilizado ou mal utilizado na fala mesmo. O falante cria a imposição de uma norma que nunca existiu, pra carimbar um status, pra dizer que fala muito bem, que é excepcional, que arrebenta na oratória.

Vamos relembrar o gerúndio: um verbo inacabado. Melhor: forma nominal que apresenta uma continuidade. Algo que se processa na frase, não se sabe em que momento termina nem se sabe quando começou. Sem modo ou tempo específicos. Precisa de um amigo verbo auxiliar. Mas só um mesmo.

O equivocado falador do gerundismo bota pra quebrar. Diz assim: “Vou estar passando...” Bastaria: “Vou passar...” Pronto. Sem mistério. Mais econômico. Mas a pessoa gerundista usa o verbo ir e estar a rodo, de boca bem cheia, introduzindo o assunto. São os dois mais utilizados nesse tipo de confusão, como se fosse uma dupla inseparável, um par de jarros, o oxigênio e o gás carbônico da fotossíntese. A pessoa usa também plurais pra florear a oração, pra enfeitar ainda mais a pabulagem.

Sinceramente, diante disso, sou mais o falar qualquer do povo, da ponta da rua, da feira livre, da conversa sem compromisso, da extinção inconsciente da gramatiquice. O importante é entender e se fazer entender e conviver harmonicamente. Não existe falar errado. Conheço casos e mais casos de gente digna que fala como pode, utiliza a concordância que mais convier para o bom andamento da comunicação. Gente que teve que trabalhar muito cedo pra sobreviver. Gente que não teve a oportunidade de conhecer uma sala de aula, uma escola, um alguém pra ensinar.

Mas, caro leitor, fique certo de que tudo o que escrevi agora pode não servir daqui a vinte anos. O gerundismo pode virar regra ou uma convenção pacífica. Aquele jeitinho manhoso: já que todos estão indo, ah, então, vamos. Talvez dentro do balaio das leis que depois se desmancham como balas de coco: é fácil colocar um adendo, um parágrafo, um arabesco. É aquele puxadinho na construção.

    









Um comentário:

  1. Valeu, Cris. Concordo em gênero, número e grau. Vou tomar cuidado para não ser "gerundista".

    ResponderExcluir

Parada das Miudezas

    A hipnose era certa. A Parada das Miudezas, no meu regimento, seria sempre uma visita obrigatória. Para uma criança de cinco anos de ida...