segunda-feira, 19 de abril de 2021

Bonito

 










        Venha, amiga chuva. Venha mesmo. Venha me dizer por que estamos merecendo a sua nobreza. Venha dizer por que dizemos, em idioma nordestino, que o céu está bonito. O céu: bonito para chover. O céu, o tempo, o clima, acordes de beleza no ar. Ei. Olha. Olha. Desenhos, miragens, infinitas orações.

       Lembremos que os tufos acinzentados, os que se formam com as nuvens, dizem algo da quantidade que vem. Mas há sempre um resultado com linhas não muito exatas. Mesmo anunciando o modo chuvoso em tons e sobretons de um azul mais sério e fechado, outros elementos contribuem para a performance. Lá, bem longe, colados na linha do horizonte, clarões adornam o número, sempre em contato permanente com o comando da natureza. Os raios cortam a plataforma que esconde estrelas e outros astros, mas se dissolvem nos nossos olhares. Não me garantem que encontraram, do lado de lá, outras luzes.

    Bonito, que é bonito, venha. Se está bonito para chover, estará bonito durante e depois. Olha: relampeando, relampeando, relampeando. Olha, moça. Ali. Vem do lado nascente. Bonito demais. Olha, moço, os passarinhos já estão procurando abrigo. Naquela tarde, pinceladas de laranja, às vezes, juntaram-se aos blocos de cinza. E é tão bonito que não entendemos, de imediato, como se faz essa pintura, que muda, que amedronta ou surpreende. Venha, neblina. Venha anunciar que vai chover.

    Cada fenda de lajedo agradece essa superdose de alívio. Cada gota se multiplica em bilhões de minúsculos pingos, respingos, pensamentos. Cada gotícula enche de esperança tantos jardins e melodias, tantos discursos e promessas, tantas gargalhadas e fantasias. Venha, pois está bonito. Se trovejar, não nos incomodamos. É o som da primeira canção, é a percussão divinizada, é o ritmo das certezas. Olha. Olha, como é a natureza: avisa, alerta, promove, enriquece, acalma.

        Do preparo, do bonito, viajamos. Mergulhamos nesse fenômeno que enche de brilho nossa horta, que vira assunto na feira, que transforma o cardápio, que aproxima os desejos. Não é culpa desse esplendor o entupimento das galerias, o deslizamento das barreiras, a confusão no trânsito. Se é esplendoroso o presente, é abençoado. Sim. Mas, olha. Olha. Vamos pensar somente no que está sendo enviado, em forma de água, em parceria com o vento. Vem ali. Vem caindo em síntese ou expansão; visita as expectativas; aborda os mais céticos; tempera a conversa. Olha. Olha. Olha, minha gente, está bonito. Como está bonito. Olha. Parece que vem daqui a um minuto.   

 


Imagem: Freepik


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