Poesia é atitude que ultrapassa
sentidos. Enlaça a mente, enlaça a gente, e desenlaça, e retorce. Poesia é
ação. É ver o Sol se pondo e reconhecer o sistema poético envolvido. Palavras
que circulam no pensamento. Uma pausa. Pensamento que circula nas palavras:
respiração. É ver. É ver com o espírito. É você mesmo. Um olhar que não está
tão acessível a terceiros. E podemos tornar esse olhar estendido a outros
olhares. É aí que a ação se acha compartilhada.
A poesia se espalha: o ar acolhe
as sílabas. Remonta as imagens. Amplifica as formas. Vamos lembrar que poesia
não é somente um soneto redondo e fabricado. Vamos lembrar que a rima pode
embelezar, mas não é cartão de embarque. A poesia é o aperto do botão
emocional, é o que se esconde nos becos do fazedor do poema. É o que revela como
o autor passou a produzir naquele instante, naquele enredo, com aquela
temperatura para cada frase. E frase é além do que entendemos como verso.
Aquela linha pendurada no tempo, entre um varal e outro de sentimentos. É algo depois
do horizonte, infinito: é o batuque do coração lapidando cada análise. Se não
for para analisar, está tranquilo também. A ação permanece entre nuvens.
Poesia: a jurema que serve para
remédio ou para afugentar, com seus espinhos, os invasores no mato. Ou é fonte
ritualística, com teor religioso e meditativo. Importante: essa poesia não é exatamente
a planta. É o olhar que investimos sobre ela e transformamos em verbo. Chacoalhamos
tudo num contexto. Pode haver um poema sem verbo, tudo bem. Mas o exercício
poético é, dentro dele, uma ação verbal. Movimenta-se. Pinota nas capoeiras do
invisível.
A música é poesia pura. Não
somente a letra ou a melodia que se irmanam. Vejamos a composição. O labor. O
trabalho. E todo trabalho, seja ou não musical, envolve sua própria poesia, sua
beleza ativa. Vejamos o exercício de um carpinteiro, ao fazer de um velho
tronco uma cadeira. Vejamos o exercício de um padeiro, ao fazer da farinha de
trigo um pão de ló. Vejamos o exercício de um professor ao explicar um conteúdo
aos alunos. Vejamos o exercício da aprendizagem. Vejamos o exercício da troca de
conhecimento. Vejamos.
Poesia n’alma. Poesia labirinto. Palavra
que se perde, mas que se reencontra, que amedronta, que desafia. Palavra que socorre.
Poesia é medicamento: nebulização para o presente, cauterização para as
práticas, curativo para as esparrelas no mundo, hidratação nos tecidos sociais,
injeção de sonhos.
Hoje e agora é poesia, embora eu
sonhe. Agora é poesia viagem: navios de descobertas, aviões de intercâmbios,
balões de solidariedade. Quero poesia de espanto: acorda, desperta, avisa. Quero
poesia que fale a realidade, que discipline o cuidado com o próximo, que salve o
dia apenas com um cumprimento. Sim, aquela: vem com o perdão, vem com o beijo e
o abraço, vem com o botão da rosa, vem com a colmeia, vem com a passarada.
Quero que venha com uma nação mais harmoniosa, sem achincalhe, sem desesperança.
Que venha com a Lua cheia, com o clarão do relâmpago, com o cheiro da terra,
com a xícara de café. Um cafezinho, por favor. Grata.