terça-feira, 6 de maio de 2014

Senhores passageiros














































Minha vida melhorou muito, depois que eu comprei um varal portátil. Varanda, banheiro, área de serviço. Posso dominar minha vontade dentro da necessidade doméstica. As coisas portáteis são o retrato da modernidade ou a condensação de uma pressa inegável. Consumimos tempo, coisas, beijos e abraços. Economizamos tudo isso também.

Minha viagem a Cajazeiras em janeiro contou com gratas surpresas. O que minha família faz por mim nem é surpresa, mas eu espero com aquela criancice de quem espera um presente.

Por outro lado, não encontrei algumas pessoas queridas na cidade. Logo se vê que meu coração não é portátil. Meu padrinho João de Deus não estava em sua casa ou mesmo numa viagem a João Pessoa, passando uns dias. No meu ouvido, sempre aquela melodia, da Ave Maria, de Gounod. Agora sim, faz ainda mais sentido e saudade.

Dona Zefinha não estava mais na sala da sua casa, me esperando para uma boa conversa. Zazá também não estava mais na loja, para brindar meu dia com sua fineza habitual. No sábado da feira livre, não encontrei Pedro Revoltoso, com seu carrinho para vender rifa e falar do futuro do Atlético. Na despedida de Dona Nancy, eu, realmente, não tive coragem de comparecer.

Minha viagem foi boa, mas não posso esconder que também foi um alinhavo de achados e perdidos. No município, achei que o aeroporto estivesse bem encaminhado. Seria meu lugar portátil daqui a alguns anos. O avião pousaria na região do Sítio Santo Onofre. Pronto. Com quinze ou vinte minutos, eu estaria na Rua Sousa Assis, pedindo bênção a meu pai e minha mãe.

Não sei se meu sonho portátil foi quase desmoronado. Posso empregar o gerúndio: está sendo. É a construção verbal mais tolerante. Posso dizer que o aeroporto era ou ainda vai ser. Foi ou teria sido. Eita! Nossa língua é bela e cheia de armadilhas. Nossa língua somos nós mesmos.  

E o que será do Sítio Santo Onofre? Um pasto para gado portátil. Um criatório de minhocas, um silêncio subterrâneo. Elas estavam esperando os pousos das aeronaves. E se esconderiam ainda mais, preparando a terra para a expansão do empreendimento. Mas, se não há realização, é claro que não há expansão.

As galinhas dos sítios vizinhos cacarejariam com aquele barulho de motor gigante. Continuariam sem entender muitos detalhes, como a maioria das galinhas. A cidade inteira faria sua adesão a escalas e conexões, pavores e praticidades, pacotes e promoções.

Minha opção continua sendo os aeroportos de Juazeiro do Norte, João Pessoa, Campina Grande, Recife, Fortaleza... Em seguida, um longo asfalto até o Centro de Cajazeiras. Por enquanto, sinto falta de tanta gente e procuro aquela voz exemplar de aeroporto: “Atenção, senhores passageiros...”

Aquela voz ainda está ecoando pelas juremas, em busca de uma benzedeira, um deputado portátil, um senador, um novo Chatô. Aquela voz viria na fenda misteriosa de alguma oiticica. Aquela voz viria no sabor entranhado da cajarana. Aquela voz viria com o mormaço do açude. Aquela voz viria. Aquela voz. 







Parada das Miudezas

    A hipnose era certa. A Parada das Miudezas, no meu regimento, seria sempre uma visita obrigatória. Para uma criança de cinco anos de ida...