segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Ao vivo no rádio





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Minha primeira experiência radiofônica foi amadora e ao vivo. Eu costumava visitar a rádio Patamuté FM com minha prima, Dulcineide Quirino, pra bater papo com Beta, a tia dela. Beta, Betânia, muito querida com seus olhos esverdeados, era recepcionista. Naquelas idas e vindas, eu ficava vidrada no que o fenômeno rádio já traduzia pra mim, desde que me entendia por gente, brincando nas calçadas da Rua Coronel Justino Bezerra. O rádio se instalou no coração.

Passou-se um tempo. Num hiato de trancamento de curso na UFPB, resolvi pedir um espaço ao diretor de programação da FM, Wilson Furtado. Pedi pra fazer um teste. Passei. Não era somente testar a voz e a desinibição ao microfone, compreendendo que muitos me ouviam onde a onda alcançasse. Tive que aprender a mexer nos controles. Zé Nilton teve muita paciência pra me ensinar. Mexer nos botões não me interessava muito. Minha intenção, na verdade, era que a rádio voltasse a apresentar um programa que eu gostava: o Rock 94, nas tardes de sábado, das 15 às 17 horas. Rocha, agente da Caixa Econômica Federal de Cajazeiras, brilhantemente apresentava. Ali ele era o Rocha Rochedo, vocalista também da banda Apocalypse. Peça rara, o locutor e cantor havia sido transferido pra uma agência bancária em João Pessoa. As tardes de sábado não eram as mesmas.

Meu objetivo não era imitar Rocha nem mesmo conseguir um emprego. Nem de longe. Na minha doidice dos meus dezenove anos, eu queria mesmo era viver o rádio, respirar um pouco do rádio. Sentir o clima. Queria apresentar um programa, curtir o rock e fazer com que o povo ouvinte curtisse a minha seleção musical. Com auxílio do amigo Nonato Saraiva, outro roqueiro sem fim, criei umas notas sobre o mundo do rock, falando um pouco de cantores, bandas e álbuns. Por influência do meu irmão Christiano Moura, a lista continha pérolas dos anos 70 e 80. Alguma coisa dos 90. Também arriscava uns 60. Era mais um reviver do que atualizar. Não tocava nada muito pesado, embora até gostasse de algumas coisas. Gostava sempre das mais conhecidas. Os invejosos poderiam dizer que eram as mais manjadas. Eu botava um pop no meio e dava certo.

Como era bom pedir que aumentassem o volume com os internacionais Dire Straits, Pink Floyd, The Smiths, Beatles ou os nacionais Paralamas do Sucesso, Ultraje a Rigor, Legião Urbana, Barão Vermelho, Titãs. E os cantores e cantoras do gênero daqui ou do estrangeiro: Lulu Santos, Rita Lee, Raul Seixas, Billy Idol, Prince, Cindy Lauper. Uau. Como é bom relembrar. Nessa época, conheci Conrado, que já fazia rádio e depois mudou o nome pra Kaliel Conrado. Viramos bons amigos até hoje. 

Todos os sábados, um ouvinte ia lá na porta do estúdio e pedia pra eu tocar qualquer uma do Guns N’ Roses. Ele era muito fã da banda e às vezes se vestia com camisetas que exibiam fotos do vocalista, Axl Rose. Trabalhava numa loja de calçados. Menino atencioso e educado. Estava claro que o interesse dele não era em mim, mas na música. Tudo bem. Aí eu fazia a vontade dele e tocava uma mais leve da banda californiana.

Meu sábado estava, desse jeito, musical. Fiquei devendo tanta coisa: Jethro Tull, Nazareth, Yes, The Ventures. Também Mutantes e outros tantos que tocam e compõem rock no nosso Brasil alado e misturado: Zé Geraldo ou Zé Ramalho. Chico Science ainda era uma grande novidade. Estava mais do que provado que eu não dava conta desse painel de personagens.

Depois de alguns meses apresentando também O Som da Noite, um conjunto de músicas românticas, das 20 às 22 horas, voltei pra capital e fui terminar meu curso. Levei a vida mais a sério. Aqui vale um asterisco pra dizer que, à noite, o programa tocava até o que eu não queria muito, como José Augusto, Fábio Júnior, Sandra de Sá, Rosana, Fafá de Belém ou Roupa Nova. Tudo pelo sagrado direito do ouvinte. Lidar com essa democracia não foi tão rápido na minha cabeça. Mas, era ao vivo. Vivo, vivíssimo.

Eu tinha que fazer algo que até hoje tenho que aprender: ser ágil. Fazia, na minha velocidade, uma rápida seleção, já que não havia qualquer coisa gravada. Aí eu colocava umas melodias roqueiras no meio. Umas guitarras bem puxadas, do tipo baladas de arrebentar a memória afetiva. Scorpions, U 2, A-ha, INXS e um George Michael pra extrapolar o toque de romantismo. E pra lascar o cano mesmo, uma marcante do Pholhas. Almair Furtado e Léo Silva me mostraram onde os LPs ficavam e quais eram os mais pedidos. Parecia fácil. Mas, era ao vivo. Eu que me virasse.

Ao voltar pra Cajazeiras, em 1999, experimentei outro vivo, o jornalismo. Vivo e dinâmico, outro ritmo, outra pegada, outra Cristina. Aí a história mudou. Mudou completamente. Entrei na turma da Rádio Alto Piranhas AM. Comecei a reviver a amplitude modulada que conheci na infância: aquele barulho, aquela sintonia, aquelas canções, aquelas vinhetas. Estava tudo ali, bem perto.

Fazer jornalismo, ao vivo, no rádio, era outro compasso. Eu não atuava mais como disque-jóquei e quase repórter cultural. Era a vez de experimentar, de manhã, o Microfone Aberto, com José Anchieta e Fernando Caldeira, na apresentação, e Alberto Dias ou Francisco José, na parte operacional. José Antônio de Albuquerque, que na infância eu via na Escola Nossa Senhora do Carmo como o pai de Letícia, passou a ser meu chefe, meu colega, meu eterno professor.

O período em que fiquei no programa matutino, e em algumas participações como repórter no vespertino Rádio Vivo, foi um aprendizado e tanto. Até pista no programa esportivo, fui. Arnaldo Lima, Ivanildo Dunga e Edmundo Amaro botaram a maior pilha. Aguentei uma única vez, no Estádio Higino Pires Ferreira, num jogo amistoso do Atlético com convidados. Pista tem que ter pique. Vi que era tão cansativo, mas tão cansativo, que fugi. Do mesmo jeito que fugi de transmissões noturnas de carnavais.

O rádio, ao vivo, ensina. Não tem emenda. É na hora. Chapa quente. Pensar pra falar: ligeiro. Uma boa estratégia pra trabalhar o autocontrole, o domínio de si mesmo. Ao vivo parece mais contagiante, mais parceiro, mais próximo.

Tenho saudade desse ser vivo, que entra nas casas, nos estabelecimentos comerciais, nos automóveis, e conquista as pessoas. Quem sabe, um dia, eu volte a me alimentar dessa energia boa radiofônica. Não exatamente do factual. O factual é necessário, mas deixo esse prato temperado para os meus colegas mais experientes. Os mais afoitos gostam também. Sei que, se um dia tiver que ser, será vivo, ao vivo. No couro cru. Combinado? Combinado.          

Um comentário:

  1. O rádio é, e sempre será o meio mais popular de se fazer a comunicação entre povos distintos.

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