Passei apenas seis meses seguidos
sem comer carne. Quando falo a respeito de carne, é claro, falo de fragmentos
de bichos, principalmente dos conhecidos boi, frango, porco e peixe. Essa minha
saga ocorreu com um propósito: facilitar algumas posturas de ioga. E funcionou.
O corpo, ao ficar mais leve, desenvolveu os movimentos com mais rapidez ou mais
eficiência. Mas, o tempo de dedicação foi curto. Perdi a batalha, por enquanto.
Não fui mais adiante porque me
rendi a um ensopado saboroso de rabada com agrião. Gente, não resisti mesmo
àqueles pedaços de cartilagem, com aquele caldo cheirando a pimenta, cebola,
alho, coentro ou salsa. Aquilo, colorido e brilhante, que uma vez serviu para
compor o final de um esqueleto, de pronto me servia, em porções generosas.
Parecia sussurrar assim: eu avisei.
Sim, continuei com a prática da
ioga, que não foi mais a mesma. Passei a intercalar dias sem carne, comendo ovo
ou queijo. Palmito também, como nobre opção. Mas, num breve período, fui
vencida. Logo se vê que não posso dizer que sou tão evoluída no campo espiritual.
Há o pecado da gula que me cerca, dias e noites. Luto contra ele, como numa
partida de boxe. Caso eu esteja de frente a um bife acebolado, é nocaute: com
certeza.
Dizem que há tipos de pessoas que
não comem carne. Que comem somente peixe. Ora, pois. Somente peixe. Eu mesma já
me empanturrei com moquecas, as mais variadas, com aquele pirão acompanhando as
postas. Dependendo do bicho aquático, é carne sim, da boa, e com gordura, por
baixo do couro. Percebi, depois de muitas investidas de boca cheia, que meu
estômago não reage bem a esses encourados. Não significa dizer que eu esteja
livre.
Outros seres da água, mesmo não
muito convidativos ao meu paladar, também estão aptos ao meu octógono, à luta
clássica dentro de mim. Não sei se me pegam no primeiro ataque. Aquela pergunta
aparece, com ares literários: pensar ou não pensar; comer ou não comer; ser ou
não ser. Mas ninguém faça cerimônia se quiser me apresentar uma panela com
camarão, polvo, sururu, caranguejo ou siri. Devoro tudo, em rocambolescos
minutos.
Com a gula, há um médio controle,
mas que soa como um sino que me atormenta. Quando eu me encontro com a costela
bovina com batata, presto minha inteira solidariedade a quem a preparou. Tento
ficar somente na batata, mas, realmente, não posso. Ainda me perco nas trilhas.
Se possível, vou à cozinha do lugar e dou os parabéns aos responsáveis.
Quando o assunto é ave, não
somente frango, pato, galo e galinha me chamam a atenção. Lembro que, algumas
vezes, comi arribaçã frita. Outros passarinhos, coitados, já caíram na minha
teia. Admito que nem lembro de quem cometeu o crime da matança, e se o ato foi
com baladeira ou arapuca. Quero nem saber.
E quando o tema é suíno, olha,
até tento me segurar, mas um churrasco de linguiça é de salivar. Aquelas
bolinhas gordurentas me inspiram, mas parece que me vigiam, dizendo: Cristina,
você não é mais criança. Vá devagar. Aliás, toda carne que enfrenta a brasa
guarda uma riqueza diferente. O cheiro convida.
Outra produção que nasceu dos
porcos: a calabresa. Na pizza, é de arrepiar. Pode ser no pão. Pode ser no
cuscuz. Pode ser no arroz. Pode ser com bolacha. Difícil é me segurar ou adotar
a consciência de analisar os riscos sobre uma vida que foi tirada. Quando a
mente vem se aproximando dessa ideia, de imediato, crio a expressão em letras gigantes,
em neon: cadeia alimentar. Cadeia alimentar. Cadeia alimentar. Nem ouço mugido,
berro, piado, grunhido, cacarejo. Penso na minha limitação em não obedecer aos
ritos meditativos. Penso no presunto. Penso no paio. Penso na mortadela. Penso no
salame.
Outras lascas porquinhas são
irresistíveis junto com o feijão. O que seria da feijoada sem essas criaturas,
que meus amigos veganos chamam de cadáveres, não sei. Experimentei, entretanto,
essa iguaria típica do nosso Brasil, de diversas maneiras: com proteína de soja,
champinhom, grão-de-bico. Não colou. Se alguém me convidar, lógico, comerei.
Mas o prazer vem mesmo é daquele carré, daquele pé ou daquele bucho. O toucinho
é algo que enfeita o momento, coloca um ritmo guloso na dança. Às vezes, vem
para estralar mesmo, fazer barulho na cabeça.
Quando penso na família dos saltitantes
caprinos, a gula triplica. Que bela festa. Cozido, assado, frito, costurado:
bode, cabra, carneiro. Saia da frente, por favor. Nem cabrito escapa. Querido
leitor, veja a minha dificuldade em ser vegana ou vegetariana. Peço desculpas
pela decepção. Caso queiramos nos remeter aos miúdos, sem problema: fígado,
coração, rim, moela. A brincadeira está valendo. A miudeza, o detalhe ou o pormenor
sempre serão intensos objetos de estudo. Com louvor.
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