No início da minha adolescência,
eu entendia como coletivo um ônibus que transportava pessoas de diversas
características. Tais características são inúmeras, mas a partir da perspectiva
de que o sujeito não optou ou não conseguiu ir com veículo próprio, carona ou
táxi. Num coletivo desse tipo cabem todos. Todos, mesmo. O povo vai entrando,
entrando, entrando e se apertando, até que o motorista, com a colaboração do
trocador, tenha a noção do limite.
Então, vamos. Vamos a alguns
antônimos. Pode passar pela borboleta ou catraca. Pular, não vale. Pode
cumprimentar as pessoas. Pode. Um sorriso vale. Simples. Vamos: gordos ou
magros, feios ou bonitos, carecas ou cabeludos, simpáticos ou carrancudos,
atléticos ou desengonçados. Também embarcam as particularidades do lado
psicológico, que está embutido: honestos ou desonestos, pacíficos ou brigões,
amuados ou amostrados, gastadores ou muquiranas, contidos ou exacerbados. Tem
de tudo.
Bem antes, na minha infância,
coletivo era lembrado por mim como um tipo de substantivo. Até hoje, é um dos
meus temas preferidos para trabalhar em sala de aula, quando estamos na área da
gramática. Nossa língua é o poço dos desejos. Jogo uma moedinha com a palavra
cáfila e saem os camelos. Jogo outra moedinha com a palavra enxame e vêm as
abelhas em movimento. Jogo outra moedinha com a palavra colmeia e aparecem as
abelhas operárias trabalhando, num lugar específico, sob o olhar fuzilante da
rainha. Jogo outra e outra e outra.
De uns temos para cá, posso
arriscar uns quinze anos, ouvimos a palavra coletivo ser destacada como a junção
de pessoas relacionadas a uma causa cultural. Um exercício intensivo e
benéfico. Não é exatamente uma turma, um grupo. Trata-se de uma reunião de
cabeças em prol de um produto que gere cultura. Trata-se de um empreendimento
muitas vezes invisível. Mas é uma empresa que promove um enorme capital
simbólico, em se tratando de sociedade.
Quando surge um coletivo desse
tipo, que enreda sonhos, que tece projetos transformados em fóruns, encontros,
palestras, exposições ou apresentações, meu coração palpita de felicidade.
Palpita porque ainda tem esperança. Palpita porque ainda tem gente que sabe que
pode utilizar seu potencial herdado de tantas gerações, para fazer o bem e
construir um mundo mais digno. Palpita porque sabe que somos inteligentes e
vamos continuar aprendendo, mesmo com os tropicões nas pedras do calçamento ou
das colinas. Palpita porque sabe que a educação salva muitas vidas.
Bate, bate meu coração, como
nosso amigo compositor registrou. Disse e ainda diz, por isso também dizemos,
que é raiz poderosa, aguada em verso e prosa. É isso. É isso e mais isso. Meu
coração palpita porque pede para que cada coletivo se coloque como força plena
de ação, como pulso firme e criativo, como aglutinador de presenças marcantes.
Palpita porque se lembra que cada representante tem seu dever de se inserir na
História. Palpita porque torce para que cada coletivo mostre sua raça, sua
tinta, seu novelo, seu barro, sua coreografia, seu atabaque, sua viola, seu
tempero. Que faça parte, sem medo, sem rancor. Um, dois, três: valendo.
Imagem: Freepik
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