sexta-feira, 25 de julho de 2014

Nossa turma do Chaves











Escola Nossa Senhora do Carmo. Na sexta série, aos onze anos de idade, eu comecei a me soltar, a me envolver mais com música, dança e teatro. Foi na escola que a timidez começou a ser vencida, com o auxílio da nova morada, no Alto Belo Horizonte. No bairro, o convívio com uma nova turma.

A cidade acabara de ganhar o sinal do SBT, com algumas vinhetas ainda com a marca TVS. Um dos programas era a minha verdadeira febre: Chaves. A criação do mexicano Roberto Bolaños foi decisiva para a minha sociabilidade. Eu me divertia quando assistia aos episódios de toda a turma criada por Bolaños e os personagens vividos por ele, além de Chaves, como Chapolin Colorado e Doutor Chapatin. Munida desses elementos e com a cobertura da escola, comecei a escrever uma peça numa caderneta.

O ano era 1988. Veio o Dia das Mães, uma data comemorativa que ganhava ainda mais importância na escola. Nessa época, Dona Hortência, mãe de Tia Carmelita, era sempre mencionada, com uma honra sutil e religiosa.

Construí um texto, inspirada na turma do Chaves, adaptando um pouco os diálogos para a nossa realidade cajazeirense, paraibana, nordestina, brasileira, latino-americana. Eu achava que ia ser somente uma apresentação teatral, nada mais. Não foi.

Começamos os ensaios. Tive que aprender a ser paciente com meus colegas: os que faltavam, os que eram muito mais tímidos, os que bagunçavam, os que tinham dificuldade em decorar o texto ou a marcação. Fui diretora da peça, pois ninguém queria assumir a tarefa.

O figurino era coletivo. Cada um organizava o seu e ainda auxiliava na indumentária dos outros. Todos sabiam que era uma atividade que não valia nota, ponto ou qualquer outra bonificação nas aulas. O que valia era nosso amor pela escola e nossa vontade de homenagear nossas mães.

Chegou, então, nossa vez de apresentar no pátio. No roteiro das apresentações, o comando do microfone era sempre de Valéria Guedes, que se sentia à vontade com o público, já que apresentava o programa Casa de Brinquedos, na Difusora. Eu mesma era ouvinte assídua e me escalei para participar numa das tardes.

Não pensei num título para a peça. Fomos anunciados assim: “Agora, com vocês, a peça do Chaves!” Pensei em tantos detalhes, menos no título. Éramos ainda muito crianças, cheios de fantasia. Eu, Tito, Glayzianne, Regilânia, Érika, Andreicksa, Henry, Gerlúcio, Tárik, Fabiano e Enilson. Révia e Sônia auxiliaram nos bastidores.

O sucesso foi tão grande que fomos convidados para apresentar no Colégio Diocesano. Era uma gincana entre as turmas. Marcya Rejane Trajano era a articuladora, como integrante da produção do evento. Nosso camarim era o sótão do auditório. Três anos depois, eu era aluna daquele colégio, mas terminantemente proibida de entrar no sótão para relembrar o acontecido.

Mais tarde, comecei a analisar a criação de Bolaños como algo bastante presente em toda a cultura latina. A vila, onde se passam os episódios, é o palco das diferenças sociais. Seu Madruga, o desempregado, malandro, caloteiro. Chiquinha, carente de um olhar materno, propensa ao atrapalho e à mentira. Dona Clotilde, a Bruxa do 71, desfrutando da terceira idade e sempre à espera de um grande amor. Quico, o garoto esnobe, mimado, que humilha os mais pobres. Chaves, o órfão, abandonado, marginalizado na escola e em qualquer outro lugar. Seu Barriga, proprietário das casas da vila, mas sofredor do preconceito por ser obeso. Professor Girafales e Dona Florinda, o casal que poderia dar certo.

Fico pensando se tudo isso de Bolanõs é mesmo um besteirol com dublagem tosca ou o nosso retrato de colonizados e historicamente ainda buscando a identidade plena. Nossa latinidade é também nossa lembrança de uma coleção de conflitos, um calhamaço de sorrisos, um punhado de gritos, um belo caminhão de povos. Essa é a riqueza. A vila pode ser, na realidade, em qualquer lugar do mundo.

E que alegria fazer teatro na escola! Por que não guardei minhas cadernetas? De vez em quando, eu me pergunto por que não conservei os rabiscos da peça e outros tantos rabiscos dessa fase. Seria o meu tesouro. Pode ser até que eu tenha rasgado de propósito. Ainda estou analisando. Ainda estou tentando descobrir, como diria Chaves, se foi sem querer, querendo. 






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