Na TV, um
comercial com uma nova cor: lilás. Era a Fanta Uva sendo lançada. O que seria
aquele líquido colorido e fermentado, não sei. Doce, é certo. Açúcar, uma bomba
de glicose. Mas criança por acaso quer saber de coisa que faz mal, manual de
instruções, bulas, estatutos regimentos: sim. Sim. No meu caso, sabia que
existiam as normas.
Sei que, no dia
do aniversário de Révia Mara na escola, tínhamos garantida a Cajuína, bebida
universal nordestina. Já era por nós suspeitado. Eis que, naquela manhã de
setembro, chega uma grade com os refrigerantes. No meio deles, adivinhe: a
Fanta Uva, a moda, a onda do momento, a sensação da praça.
Sentamos em
círculo: regra número um. A número zero era manter a elegância e a boa
educação. Depois do recreio, festa. A sala era nossa. O birô ficava enfeitado
de sabonetes, cartões, desenhos, chocolates e flores: eram nossos singelos
presentes à aniversariante. Que beleza. Colocávamos nosso papo de meninas em
dia: brincadeiras, papeis de carta, viagens imaginárias, Histórias em
Quadrinhos, músicas, artistas famosos.
Ao meu lado, no
círculo, sentou-se Luciana Batista, a garota mais cotada da escola para fazer o
papel de Nossa Senhora nas apresentações religiosas. A fama se espalhou para
outras escolas e dioceses. Bom comportamento, sorriso sincero, olhos
esverdeados, pele alva e cabelos longos e lisos eram os atributos da nossa jovem
santa.
Na festa, Tia
Telma começou a servir os refrigerantes. Cada aluno com seu copinho, esperando
uma bebida que refrescasse o calor e fosse favorável à nossa obediência. Se eu
fechar os olhos, pareço voltar no tempo; visualizo toda a cena. A última gota
da última garrafa de Fanta Uva daquela manhã festiva, portanto a última daquele
dia de setembro, caiu no copo de Luciana. Pois é. Como destratar nossa colega
iluminada. Como fazer cara feia diante da nossa colega famosa.
O que eu podia
fazer, nada. Nada. Nada mesmo. Mas, confesso que minha torre de refrigerantes
ruiu e, com ele, grande parte da minha ligação com a cor lilás. Fiz um
treinamento comigo para parar de pensar no corante doce. Acostumei-me com o
sabor laranja. Ao longo de muitos anos, a cabeça foi se aprumando e ficando
menos densa, o coração menos trevoso, os ouvidos menos moucos aos bons
conselhos. Ao experimentar a bebida depois, senti que um terço da graça se
perdeu. Faltou o clima geral da novidade, a quentura da mídia, a linguagem
publicitária em sua plena forma, a hipnose. Isso: fui hipnotizada. Esse povo da
mídia é assim.
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