Estes são
alguns elementos sedutores da feira de Campina Grande, Paraíba. Os bolos ficam numa vitrine instalada num simples quiosque de zinco e madeira. O lugar também vende
pastel, caldo de cana e outras atrações. Na vitrine, viajei. Os bolos estavam
ali me olhando. O primeiro à esquerda, na prateleira de cima, é de leite. Bolo
de leite ou baêta. Não sei a origem da palavra baêta, mas já vi como sobrenome.
Tem um aspecto mais português do que italiano. No sertão, o bolo chamado de
leite consiste em repetir a receita básica de bolo fofo, com farinha de trigo,
açúcar, manteiga ou margarina, fermento em pó, ovos e leite. O diferencial é o
aumento na cota de leite. Se um fofo normal pede duas xícaras de leite, o bolo
de leite ou baêta pedirá umas quatro ou cinco. Nunca fica esfarelado. É
encorpado, grosso. O revestimento é uma casca marrom dourada e um pouco
crocante. Não posso mentir, dizendo que não tem muita gordura. Tem, sim,
bastante.
Fazia um
bom tempo que eu não escrevia crônicas, muito menos sobre comida. Agora estou
na fase de escrever sobre comida. Vi esta foto, tirada em janeiro deste ano, e
imaginei as receitas. O bolo vizinho ao baêta é de chocolate. Junto com a
receita básica, há uma quantidade de chocolate em pó. O recheio é variável, mas
feito com chocolate e leite condensado. Há quem acrescente creme de leite. Dependendo do
bolo desse tipo, caso seja bem doce, basta uma colher para me satisfazer. Não
sou chocólatra.
Vamos à
vitrine. Abaixo, à direita, com essa crosta queimadinha por passar mais tempo
no forno, é o de milho, meu preferido dentre milhões. Bolos e mais bolos de
milho, receitas e mais receitas são apreciadas por mim. Quando conheço a
cozinheira ou a boleira, discuto a teoria e a prática. Se possível, passo
vários minutos aprendendo a metodologia. O milho é algo milenarmente associado ao meu imaginário nordestino. O problema é que, caso exagerado no meu paladar,
provoca um inchaço no estômago. Bolo de milho verde, molhadinho, com o gosto do
milho verde mesmo, é uma realização. Broa de milho, mais enxuta, com toques de
erva-doce, é uma satisfação. Café ou café com
leite para acompanhar.
Bolo de
milho feito com rapadura e pouquíssimo leite, pitadas de cravo e canela, é uma
receita da minha família, do lado paterno. Talvez tenha vindo da bisavó, Isabel
Correia. Depois, continuada por minha avó, Maria Félix. A receita é perpetuada
atualmente pela filha, Tia Netinha. Agora estou tentando ser a quarta geração. Fiz esse bolo no mês de junho, o mês consagrado a comidas de milho. Ficou um
pouco seco, mas não sobrou um só farelo na festa junina do sítio. Faltou,
talvez, segundo minha tia, jogar na bacia o leite ainda morno, em cima do
farelo de milho pré-cozido. O farelo é aquele de fazer cuzcuz. O farelo é
colocado, junto com a rapadura derretida, para descansar, por isso um gosto
diferente. Esse esquema de descansar, esperar ou reservar é fundamental em
certas receitas. Eu tinha preconceito com isso, até que aprendi o mistério.
Mas,
vamos voltar à foto. O outro bolo que aparece na vitrine é de coco, coberto com
um creme de açúcar e limão e umas raspas de chocolate. Bolo de coco, assim de
verdade, especificamente, pra valer, ainda não fiz. Até senti vontade, dia
desses, mas só se fosse com coco verde, ralado, natural. Não quero aquele do
pacote, do supermercado. Um dia comi um bolo de coco verde na casa de Tia
Maria, tia da minha mãe. Ela fazia umas iguarias inesquecíveis. Agora
deve estar bordando seus panos coloridos em algum lugar do além. Na casa dela,
a geladeira branca e azul, arredondada nas pontas, tinha uma alça longa de metal vazado para abrir; em cima, um
pinguim tocando pandeiro. Era difícil não olhar aquele monumento na cozinha.
Que saudade. Na avaliação de Tia Maria Lima, frango, por exemplo, tinha que ser
comido com as mãos, os ossos bem roídos, sem cerimônia ou qualquer regra de
etiqueta e frescura. Aliás, frango é um prato que preciso empreender mais. Dia
desses, troquei umas receitas com umas amigas: alecrim, azeite, molho shoyu e
outras coisas diversificadas para saborear a ave. Hoje, porém, é dia de bolo.
Deliciosos, deliciosa crônica! Ai que saudade! Bolo de milho verde ainda morno com café quente! Como a felicidade é básica, meu Deus, praticamente um jeans.
ResponderExcluirGrata, meu amigo! A felicidade é simples mesmo. A gente é que complica, às vezes. Bjs.
ExcluirDoces lembranças... Dão água na boca e aquecem o coração! Delicio-te!
ResponderExcluirEi, Lu! Que bom que seu coração ficou aquecido! Tenho mais receitas, quer dizer, crônicas sobre receitas... Bjs. :)
ExcluirAdorei o texto, gostoso como um bom papo numa tarde de um dia qualquer. Com um cafezinho, é claro.
ResponderExcluirtambém sou como você que adora tudo que é feito com milho e já estou na expectativa de comer o seu tradicional bolo. Bjão, Cris!
Que bom, Rê, que você se sentiu à vontade com o texto... Vou escrever mais sobre receitas. Hoje me veio uma na cabeça, na hora do almoço. Gente, meu livro tem que estar perto de ser publicado, né? rsrs... bjs :)
ExcluirMe abriu o apetite e um grande sorriso no rosto. Saudade de te ler Cris!
ResponderExcluirFlávia Bernardes
Oi, Flavinhaaaa! Saudade de você, das nossas conversas e risadas. bjs.
ExcluirSó mesmo uma artista pra fazer arte com momentos tão cotidianos!
ResponderExcluirQuero provar o bolo de milho, madrinha!
Querida afilhada, é claro que você vai provar do bolo!... Grata pela sua avaliação. Olhar apurado de cientista. Bjs :)
ExcluirCris,
ResponderExcluirImpressionante e singular é sua escrita. Ao mesmo tempo que é leve e manante é profunda,intrínseca e multíplice.
Essa crônica,em especial,despertou em mim lembranças de minha infância,quando os belos doces e bolos me encantavam nas vitrines,principalmente os mais coloridos.
Parabéns pela sensibilidade!
Continue a escrever,quero poder ter a alegria de ler mais textos seus
!
Que saudade de te LER !!!! Pra mim tem sabor de infância, das cartas que trocamos durante anos, que trouxeram um colorido pra uma infância bem cinza...Pena que não conheci o pinguim tocador de pandeiro da Tia maria...mas lembro bem dela..
ResponderExcluirbjs.. sds...
Cris...a saudade tem sabor! E para mim, tem o exatamente o sabor dos bolos que você descreve, especialmente o bolo de leite e o bolo de milho.
ResponderExcluirMe lembro do cheiro do bolo de milho no forno, quase que avisando que está pronto...e mamainha(tia netinha citada no texto) dizia..."eita o bolo ta cheirando...ta quase pronto" e comíamos quase quente.
Parabéns pela crônica maravilhosa. Sou seu fã.
Beijos
Olá, Cris. Que legal ler mais uma de suas crônicas, esta teve até sabor, de alimentos "exquisitos" como se denominam os alimentos muito saboros em espanhol. Concordo com sua preferência pelo bolo de milho, é realmente maravilhoso! Escreva mais! Beijos
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