Minha ligação com William Hanna e
Joseph Barbera não é pouca. Sou fã da dupla norte-americana, desde que comecei
a entender que estou no mundo. Não me canso de aplaudir o talento dos
desenhistas, que certamente não criaram seus personagens somente para as
crianças. Estou falando de uma trajetória que começou nos anos de 1940 e tomou
conta do imaginário de muitos, não somente da minha geração.
Ao estudar alguns autores de
produtos literários para a meninada, encontro recados para os adultos. Algumas mensagens
subliminares, aos poucos, fizeram e ainda fazem total sentido. É por isso que a
obra de Hanna e Barbera tende a ser lembrada durante muito tempo. Na verdade, atravessa
o tempo, pois crescer é estar diante desse painel de possibilidades, e as
escolhas fazem parte do jogo. Não, não é decepcionante: é o clareamento da
interpretação.
Um exemplo do que estou falando é
o inigualável Manda-Chuva, o original Top Cat. Que turma perfeita para discutir
a realidade. Os gatos do beco são os malandros de sempre. O chefe deles é a
representação de um cidadão que ainda percebemos nos dias atuais. É o mandante
folgado, oportunista, que gosta de se dar bem em tudo. Para coroar suas
vontades, conta com os parceiros, os aliados, os cúmplices. Agora, diga, caro
leitor, se isso não é real. Não é difícil encontrarmos esses tipos num momento parecido
com o que estamos vivendo, de campanha eleitoral. É lógico que, num desenho
animado, é tudo alegria. Diversão garantida. As trilhas sonoras são um
espetáculo, um rico elemento à parte. O acesso a uma cultura diferente também.
Ao analisarmos de forma mais fria
e objetiva os personagens, vemos que são muito próximos, muito reais, muito
presentes. Hanna e Barbera traduziram, em muitas de suas obras, a essência do
ser humano e do que este é capaz de fazer ou pensar. As maracutaias de
Manda-Chuva, que é auxiliado por Espeto, Bacana, Chuchu, Gênio e Batatinha, podem
conter o exagero típico dos cartoons, mas são bastante conhecidas.
É a cara do gato gatuno fazer o
possível para levar vantagem, junto com seus comparsas. O chefe, com certeza,
leva ainda mais vantagem do que seus amigos, para que se estabeleça uma noção
hierárquica mesmo. Quem manda é o mais astuto. Sem dúvida, o malandro é
inteligente. O malandro sabe articular, elogiar, ordenar. Seus súditos, os discípulos
devotos ou fidelíssimos seguidores, são hipnotizados todos os dias. Adoram
obedecer. Com o rei gato em pleno exercício, os subordinados aprendem que o
trabalho é algo cansativo e até desnecessário. O melhor, então, é fazer um
plano para utilizar o que já está pronto. Vejamos se tudo isso não é bem
familiar à nossa sociedade.
O Guarda Belo, que é a figura do
oponente nas narrativas, é importante. Provoca nossa consciência sobre o que é
certo e errado. Questiona, de forma direta ou indireta, se o que estamos vendo
merece um final feliz para a malandragem. Em alguns casos, até Belo é envolvido
pela teia antiética, ficando em dúvida se está punindo de forma correta. Não
sei quando a crítica dos cartunistas perderá a validade. Não tenho ideia. Não
sei. Nem vou arriscar. Quem souber, por favor, me avise. São tantas gangues,
tantos becos e tantos gatos, que nem imagino.