Qualquer
viagem a Juazeiro do Norte era um acontecimento honroso, uma festa, uma
aventura no meu mundinho de criança. Subir a ladeira do Horto, tirar foto,
acender vela, pedir bênção a Padim, comer pipoca de arroz, chupar pirulito, rir
com as presepadas das figuras encontradas ao longo do caminho. Tocadores,
rezadores, benzedeiros e comerciantes. Turmas, levas, grupos, penitentes,
pregadores e romeiros. Cada um clamando por dias melhores, pela própria cura
física, por mais fé, pela reabilitação de algum parente ou amigo, pela paz no
mundo. E em coro silencioso, essencialmente redundante: chuva, chuva, chuva.
Primeiro,
íamos a Missão Velha. O nosso primeiro
ponto de pouso era a casa de Iraci Furtado, nossa querida amiga, desde quando
morou em Conceição do Piancó. Costureira exemplar e feirante, proporcionava à
nossa pequena caravana um certo conforto: era conhecedora de todos os cantos,
recantos e entrelinhas do comércio juazeirense. Perambulávamos um tanto. Por
toda parte, gente vestida de preto, para homenagear o fundador da cidade, Padre
Cícero Romão Batista, líder religioso e político da região. No ruge-ruge dos
caminhantes, aparecia um conhecido, um conterrâneo, uma criatura pra dizer algo
ou soprar um verso de ladainha. Burburinho. Cochicho. Plantões de butuca.
Em
Juazeiro, em determinado período, também visitamos Tia Maria Lima de Assis, que
decidiu viver seus últimos dias naquela cidade, especialmente no bairro São
Miguel, para cumprir um combinado com o saudoso marido, Tio Vicente. Eita,
Tia... Muitas histórias, bordados, batuques, carambolas e melancias. Uma
crônica à parte.
No
verde da praça principal, no Centro, chegava uma brisa gostosa e úmida do cariri.
Brisa que ainda hoje sobe, desce, assobia e volteia a Chapada do Araripe,
desenhando o clima do lugar, mais agradável do que a secura sertaneja. Por ali,
por acolá, pelas ruelas que invadem o percurso, sons diversos, entre
eletrônicos e chamarizes para compras, choros, gritos, gaitadas e risos. Espaço
coalhado de emboladores, violeiros, repentistas e cordelistas, compartilhando
suas expectativas com os artesãos, sedentos para exibir a criatividade do povo,
da cultura que nasce da raiz do coração.
Toda
essa viagem escrita aqui e agora reacendeu durante a leitura de “Guerra ao
fanatismo: a Diocese de Cajazeiras no cerco ao Padre Cícero”, do meu amigo
escritor Francisco Sales Cartaxo Rolim. Além da rica bibliografia que serviu de
base para o ensaio, coube na obra a visão crítica de um cajazeirense aplicado. A
pesquisa se arquiteta num estudo cuidadoso sobre a transição do século XIX para
o XX, com os detalhes da fronteira: Paraíba e Ceará, Ceará e Paraíba.
A
narrativa provoca o leitor para estudos perpendiculares sobre fenômenos sociais,
a exemplo do coronelismo, do banditismo, do cangaço, e questões de gênero,
envolvendo a Escola Normal do Padre Rolim. Ainda podemos encontrar um prato
quente sobre a imprensa católica e a nobre trajetória de Dom Moisés.
Um
presente e tanto. Um convite para pensar. Um convite para lembrar. Cada momento aboia
nos meus ouvidos, bate no trinco da cancela de Olho D’Água do Melão pra dentro.
Cada momento chega sem aperreio, na Rural de Seu Zé de Joca. Na trilha sonora, Gonzagão.
Sempre.
Nosso querido nordeste é de uma riqueza cultural sem fim. Parabéns pelas abordagens. Um dia vou a Juazeiro.
ResponderExcluirVá mesmo, comadre! Um intercâmbio fundamental. Bjs. :)
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