Acrílica sobre tela, 10 x 10 cm (jan/2012)
quarta-feira, 26 de dezembro de 2012
quinta-feira, 20 de dezembro de 2012
O povo wiaóke II
Na minha frente, o mundo se abria,
vertiginoso, dizendo aos meus olhos que tudo é um mistério voador. Um cheiro alegre
e acolhedor me fez chorar pelas narinas. Era um espirro aos montes, rasgando e,
ao mesmo tempo, abraçando-me por dentro. As cores eram gradativas: mel,
coco-do-mato, algaroba.
Misturavam-se as vontades como o
açúcar n’água e, à medida que se confundiam dentro do meu imaginário, ganhavam
outros timbres alados: muçambê, erva-doce, ar-condicionado, papel novo... Eu ia
ganhando sentidos também, pacíficos e ondulados, e nem notava a diferença de um
para o outro. Certo segundo, aumentei de tamanho: acho que era de tristeza
sólida. Não sei.
“É chorar e não poder”. Olhei para as
descobertas, que eram cinco, e as estradas, que eram quatro. Um dos caminhos,
sem começo ou trilha a ser seguida, foi estendendo as mãos. Foi aí que me
assustei de curiosidade e arrepiei os dentes. Quando acordei, estava dentro de
uma espécie de saco esponjoso, pendurado numa árvore imensa. Imensa, imensa,
imensa: um desmantelo belo. Posso chamá-la até de gigante porque já era noite e
vi estrelas de muito perto, quase cegando a minha euforia. De repente, atiraram
no saco com um dardo cintilante. Caí numa superfície florida.
Ouvi, de longe, muito longe:
- Viô carpê vonde viô! Viô! Aaaaa...
– alguém de voz grave e pastosa. Dava medo.
- Viô! – respondi, sem querer. A
minha voz foi saindo em fios.
A voz do outro se transformou num
badalo, imitando um sino de mosteiro. Badalava cada vez mais forte, aumentava e
me deixava sem medidas. Sussurrei:
- Alguém aí pode responder?
Num disparo ameaçador, um clarão foi
se agarrando ao céu. Espalhava-se no ar, como uma fumaça ocre, que ganhava
minha simpatia, aos pedaços. Não acreditava nem na metade do que estava vendo.
Depois de dois anos de seca, a região inteira tomava o banho da felicidade. Foi
chuva por todos os lados.
Texto publicado no jornal Gazeta do Alto Piranhas (maio/junho/1999), Cajazeiras-PB.
domingo, 16 de setembro de 2012
Vitrine
Estes são
alguns elementos sedutores da feira de Campina Grande, Paraíba. Os bolos ficam numa vitrine instalada num simples quiosque de zinco e madeira. O lugar também vende
pastel, caldo de cana e outras atrações. Na vitrine, viajei. Os bolos estavam
ali me olhando. O primeiro à esquerda, na prateleira de cima, é de leite. Bolo
de leite ou baêta. Não sei a origem da palavra baêta, mas já vi como sobrenome.
Tem um aspecto mais português do que italiano. No sertão, o bolo chamado de
leite consiste em repetir a receita básica de bolo fofo, com farinha de trigo,
açúcar, manteiga ou margarina, fermento em pó, ovos e leite. O diferencial é o
aumento na cota de leite. Se um fofo normal pede duas xícaras de leite, o bolo
de leite ou baêta pedirá umas quatro ou cinco. Nunca fica esfarelado. É
encorpado, grosso. O revestimento é uma casca marrom dourada e um pouco
crocante. Não posso mentir, dizendo que não tem muita gordura. Tem, sim,
bastante.
Fazia um
bom tempo que eu não escrevia crônicas, muito menos sobre comida. Agora estou
na fase de escrever sobre comida. Vi esta foto, tirada em janeiro deste ano, e
imaginei as receitas. O bolo vizinho ao baêta é de chocolate. Junto com a
receita básica, há uma quantidade de chocolate em pó. O recheio é variável, mas
feito com chocolate e leite condensado. Há quem acrescente creme de leite. Dependendo do
bolo desse tipo, caso seja bem doce, basta uma colher para me satisfazer. Não
sou chocólatra.
Vamos à
vitrine. Abaixo, à direita, com essa crosta queimadinha por passar mais tempo
no forno, é o de milho, meu preferido dentre milhões. Bolos e mais bolos de
milho, receitas e mais receitas são apreciadas por mim. Quando conheço a
cozinheira ou a boleira, discuto a teoria e a prática. Se possível, passo
vários minutos aprendendo a metodologia. O milho é algo milenarmente associado ao meu imaginário nordestino. O problema é que, caso exagerado no meu paladar,
provoca um inchaço no estômago. Bolo de milho verde, molhadinho, com o gosto do
milho verde mesmo, é uma realização. Broa de milho, mais enxuta, com toques de
erva-doce, é uma satisfação. Café ou café com
leite para acompanhar.
Bolo de
milho feito com rapadura e pouquíssimo leite, pitadas de cravo e canela, é uma
receita da minha família, do lado paterno. Talvez tenha vindo da bisavó, Isabel
Correia. Depois, continuada por minha avó, Maria Félix. A receita é perpetuada
atualmente pela filha, Tia Netinha. Agora estou tentando ser a quarta geração. Fiz esse bolo no mês de junho, o mês consagrado a comidas de milho. Ficou um
pouco seco, mas não sobrou um só farelo na festa junina do sítio. Faltou,
talvez, segundo minha tia, jogar na bacia o leite ainda morno, em cima do
farelo de milho pré-cozido. O farelo é aquele de fazer cuzcuz. O farelo é
colocado, junto com a rapadura derretida, para descansar, por isso um gosto
diferente. Esse esquema de descansar, esperar ou reservar é fundamental em
certas receitas. Eu tinha preconceito com isso, até que aprendi o mistério.
Mas,
vamos voltar à foto. O outro bolo que aparece na vitrine é de coco, coberto com
um creme de açúcar e limão e umas raspas de chocolate. Bolo de coco, assim de
verdade, especificamente, pra valer, ainda não fiz. Até senti vontade, dia
desses, mas só se fosse com coco verde, ralado, natural. Não quero aquele do
pacote, do supermercado. Um dia comi um bolo de coco verde na casa de Tia
Maria, tia da minha mãe. Ela fazia umas iguarias inesquecíveis. Agora
deve estar bordando seus panos coloridos em algum lugar do além. Na casa dela,
a geladeira branca e azul, arredondada nas pontas, tinha uma alça longa de metal vazado para abrir; em cima, um
pinguim tocando pandeiro. Era difícil não olhar aquele monumento na cozinha.
Que saudade. Na avaliação de Tia Maria Lima, frango, por exemplo, tinha que ser
comido com as mãos, os ossos bem roídos, sem cerimônia ou qualquer regra de
etiqueta e frescura. Aliás, frango é um prato que preciso empreender mais. Dia
desses, troquei umas receitas com umas amigas: alecrim, azeite, molho shoyu e
outras coisas diversificadas para saborear a ave. Hoje, porém, é dia de bolo.
segunda-feira, 23 de julho de 2012
domingo, 17 de junho de 2012
Ploft
Sinto pena do vendedor de sonhos. Sinto pena dos sonhos.
Peço desculpas por estar sentindo pena, pois pena é falta do que fazer. E foi,
sem ter o que fazer, que fiquei, quando percebi o rapaz vendendo alguma coisa
encantada.
Não eram sonhos - aqueles pãezinhos doces, recheados com
um creme bem amarelinho e gosmento. E nem eram os filmes que a gente vê quando
costuma dormir; filmes tão traduzidos pelos psicanalistas. Eram estradas para
milhares de amanhãs: um amanhã aqui, ouro ali; um amanhã-ilusão; um amanhã de
ideias. Amanhã. E foi assim que eu me senti: um tremendo amanhã, repleto,
ornamentado de penas sem pássaros.
Como é ruim estar de penas - é como estar de pêsames,
talvez. Quando olhei o vendedor, fiquei realmente sem o que fazer e, depois da
falta do que fazer, veio a pena. Preste atenção ao sentir qualquer pena: o
mundo, ao seu redor, vai se descascando, você se diminui, vai ficando anão,
pequeno, minúsculo, microscópico... até sumir. E sumi. Ploft. Sumi. Quem estava
perto de mim, na hora, não entendeu ou deve ter pensado em milagre, magia e
outras estranhezas que explicam o que não merece ser explicado.
Bom, mas, quando sumi, fui parar lá. Lá, dentro do sonho
vendido pelo rapaz - com seus trinta e tantos anos, ainda rapaz, pai de família
ou não, e ainda assim, rapaz. Ele vendia bolhas de sabão. Custavam um real. O
cliente pagaria um real e receberia um punhado de sonhos que sairiam de uma
geringonça de plástico: um bichinho telletubbie segurava um canudo que,
enrolado, fazia um círculo. Quem soprasse no canudo embebido de uma solução de
água e sabão, tranqüilamente, veria sair do tubinho uma porção de bolhas.
Dependendo da qualidade do sabão e do cliente-soprador, sairiam, no mínimo,
vinte bolhas de uma só vez.
E as bolhas percorriam o pouco ar que encontravam,
estouravam nas pessoas, nos carros, nas árvores. Porque a finalidade da bolha
não é voar, e sim, estourar-se. E numa anti-destruição ou numa sobrevivência
curta de uma bolha, lá estava eu, presa naquela coisinha lisa, transparente,
mas colorida. Eu nem era gente, nem era bolha, nem era vento, nem era sonho. Eu
era, naquele instante, a coisificação da pena que senti. Pois sentir pena é, de
imediato, tomá-la pela coisa – a partir daí, você é sugada por todas as
sensações juntas.
Só voltei ao meu estado humano quando decidi comprar um
instrumento de sonho. Pensei: "É mais confortável assistir ao desmanchar
de bolhas, a ter que assistir ao meu desmanchamento". E não sei o que aconteceria
se, na mesma situação, eu sentisse pena de mim. Talvez não entrasse na bolha
outra vez. Talvez me transformasse em pedra - material de que não são feitas as
bolhas, e nem mesmo o futuro.
Gazeta do Alto Piranhas (Cajazeiras-PB, 2000)/A União (João Pessoa-PB, 2006)
terça-feira, 22 de maio de 2012
Um tom quase dourado
Sem
pedir licença, Alice foi logo subindo no palco, pegando o microfone e falando
que era aquilo mesmo, um por todos. Queria ser a presidente da turma, naquele
dia vestiu-se de preto, queria dar um mote fechado e introspectivo, não sabia
que era feriado. Estava lacrimejando porque um colírio havia perturbado a sua
tarde daquela quarta-feira. Sim, quero ir, disse ela. O semblante do vestido se quebrava
um pouco com o brinco amarelado, um tom quase dourado. Queria brilhar, mesmo
assim. Aliviava a vontade desengonçada de Alice, que nem sabia que assim se
chamava em homenagem à menina das maravilhas. Queria buscar algo melhor para
todos, dizia aos colegas. Queria se firmar mesmo como presidente, organizar
bingos e manifestações. Queria mesmo se sentir participante de uma fatia do
poder da escola. Quem sabe reivindicar a quebra do monopólio da lanchonete.
Alice chorava, mas reclamava de cada lágrima. Dizia que estava chorando porque
era forte. Dizia que chorar era um exercício que havia aprendido com a
professora de matemática. Explicava logaritmos e ninguém mesmo queria saber e
ficava a explicação, aquela, sem perguntas. Não se conformava em contar somente
com seus onze anos de idade. Escrevia cartas à direção da escola. Nem mesmo
imaginava ser tão semelhante à menina do tal país que abrigava um coelho sempre
atrasado. Naquele dia cívico-militar, apaixonou-se pelo tocador de pratos da
banda da loja maçônica. Só por ele lembrar um toque chinês de um certo samurai
que havia visto em filme. Ela
nem sabia que era assim. Sempre em sintonia de indefinição, suspensa nas
árvores das ideias, em tom de charada. Alice não era fácil. Não era mesmo. Aquele
sorvete de morango que sujou o vestido parecia todo o culpado.
sexta-feira, 11 de maio de 2012
A música secreta das árvores
Naquela tarde, ouvi uns violinos por entre os carrapichos. Não sei se eram as hospedeiras, fazendo uma petição sublime ou se eram mesmo os pirilampos, treinando as luzes para o anoitecer. Ao mesmo tempo, soavam os clarinetes, acenando um diálogo simples das folhas caindo e das outras nascendo. Por ali, uma turma de lagartos, fungos e besouros ouvia pacientemente. Todos em reverência ao Sol se alinhando no horizonte para recompor outra canção, em outro lugar. Naquela tarde, vivi a certeza de que as flautas estavam realmente guardadas nas copas das árvores, à disposição de algum passarinho que ainda não aprendeu a tocar sua própria melodia. Na beira do rio, as harpas festejavam a correnteza.
domingo, 19 de fevereiro de 2012
Açude Grande em janeiro
quarta-feira, 11 de janeiro de 2012
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Parada das Miudezas
A hipnose era certa. A Parada das Miudezas, no meu regimento, seria sempre uma visita obrigatória. Para uma criança de cinco anos de ida...
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A hipnose era certa. A Parada das Miudezas, no meu regimento, seria sempre uma visita obrigatória. Para uma criança de cinco anos de ida...
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A sorte me chegou diversas vezes e sou grata por isso. Um dos exemplos que lembrei, dia desses, foi ter sido aluna de Wellington Pe...
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Quem nunca foi a um forró na zona rural não sabe o que já perdeu. Ainda há tempo para saborear aquele vento da roça, aquele vento cheiroso...