O sol se põe tão rápido, disse ele. Eu, rindo. Palavras que se entopem de coisas, de olhares, de sentimentos, de exacerbação de personagens. O tempo é para brincar. Palavras de telenovela, ficção ou ritmo desenfreado pela vantagem de não ser eu, de não ser você. Mas também palavras nos jornais, palavras de sangue, crianças mortas, salários mal contados, histórias tontas e brasilianescas. Olha, estou aqui pensando nas palavras, em como me oriento por elas, em como me perco por elas, em como peço uma pizza. Kio, um cidadão com os olhos da sua taiwan adormecida. Dentro dele, uma nação inteira. Que palavras eu diria àquele olhar quase chinês, que palavras eu diria ao feixe de símbolos, que palavras eu silenciaria ao que se traduz em tantas palavras bem organizadas. Kio era lindo dizendo obrigado. O erre não é mesmo como o nosso. E o meu riso, nessa hora, descarado, embora eu soubesse que não diria nem de longe o nome dele corretamente. Ká o quê? Kio é um apelido simples, mas de um nomão que não cabe aqui agora. Kio, cadê você com o seu obrigado, cadê você com o seu entendimento pela raiz das palavras, cadê você com as árvores de sílabas tão complexas quanto o fato de eu entender seu extenso e verdadeiro nome. Cadê tu, hombre chinês? Cadê aquele espectro inofensivo. Cadê. Palavras também explodem em ritmos e era lindo ver Kio dizendo sim. Era um sim sem o eme no final, embora a gente percebesse o eme. Kio não gostava das minhas crônicas. Dizia que eram cheias de palavras com combinações para ele inaceitáveis. Eu não sabia se gostava do que ele dizia, do que ele não dizia, do que ele pensava ou se eu apenas o registrava na memória. Num belo dia em que o belo e enigmático Kio foi embora para um lugar que ninguém vivo vai, minhas belas palavras para ele ficaram armazenadas. Em outro belo dia, talvez, escreverei para ele. Belas palavras, não sei. Palavras de discos, vertigens, trabalho. Palavras também de conflitos, tanques de lavar roupa com homens dentro, homens brincando de atirar. Kio, por que essa paixão pela guerra, por que esse concerto sem nota, por que você se mumificou tão cedo? Palavras, meu caro samurai, palavras. São elas que lhe trazem de volta, são elas que me fazem perceber a problemática do sushi, são elas que me forçam a meditar sem medo, são elas que me emprestam algum sentido para lembrar que você detestava dançar. Non sê, dizia você. Non queo. Non vezo gaça. Agora, vamos a um aviso bem regimental: aquele seu pastelzinho de atum marcou para sempre as minhas palavras. Descanse em paz, amigo. Na paz que você nem sabia que admirava tanto.
Texto publicado no jornal A União (PB), 2006
Texto publicado no jornal A União (PB), 2006
Tão bonitinho! Seu blog tá mto legal. Qdo for publicar suas escrevinhações, quero um livro seu autografado de presente. Beijo
ResponderExcluirCris, bom ler um texto seu.
ResponderExcluirJá estava com saudade das suas palavras. Palavras que se encaixão tão bem, uma licença poética muito bem aproveitada.
Vejo em você uma grande artista.
Bjs.
Licença poética a minha...correção: encaixam.
ResponderExcluirFoi mal "fessora".
Bjs.
Lindissímo : delicado, tocante e emocionante. Este me parece mais o primeiro capitulo de um livro. Ainda não? É um fio condutor a uma história inteira que você resumiu aí , minha amiga. E o título já é esse.Perfeito!
ResponderExcluirGrande abraço