Como um longe num infinito tão próximo dos meus olhos curiosos. Chegamos. Foi a primeira vez que fui apresentada ao mistério de uma anêmona, ora difuso, ora confesso, ora silencioso. Não sei o que seria uma anêmona no meu sentir de criança perpassado por tanta cor, tanto fugir de sentidos, tanto pular corda ou desenhar.
Minha boneca Verinha era a mais chata de todas e pouco me dizia sobre anêmonas. Muito mais sabia, como todas as outras do reino das bonecas e panelinhas de barro, sobre interagir. Deixei guardado esse pensamento. Naquele dia, éramos uma pequena equipe numa praia de Lucena, para capturarmos algumas imagens com pescadores para um programa de TV independente. De perto eu via o exemplo da areia, firmeza, limite. Alguns turistas, algumas perguntas, alguns comentários. Frases esparsas combinavam com aquela cor de céu, estranheza de manhã, estranheza de música.
O ar nublou tudo o que podia com uma nuvem do tamanho da respiração de quem a via. Ouvimos a chegada de um barco. A rede foi se soltando naquela civilização arenosa, desenhando alguns objetos, sob a avaliação de Verinha, se ainda estivesse presente. Diria sempre algo assim solto, bem metido a ser realista: vamos embora. A personalidade dela era de resina, diferente da de Sofia, adquirida já na idade adulta ou na idade de pensar de outro jeito em relação ao ato de brincar.
Espera aí: aquilo ali é uma água-viva, gritei, parecendo que ia morrer de felicidade. Sofia, com seu comportamento de louça, teria medo até de olhar, claro. Mas, lembrando: teve coragem de matar um lindo pé-de-boldo, um dos seres arbustivos mais diplomáticos que eu conservava no jardim. Essas bonecas, cada uma delas, são sujeitas a um pedacinho de mim, com um punhado de cifras e praias distintas e assoladas pela vontade de escrever.
O acervo, mantido pela memória, foi auxiliado na sua configuração principalmente por Verinha, Sofia e abastecido de informações por outra turma. Uma turma honrosa. Trombinha, de plástico, elefante traumatizado por ser ex-telefone. Careca, acrílico, ainda sofre ao ser, receber corda. Emília, de pano, lobateana por natureza. Cascata e Coalhada, plástico, gêmeos rabugentíssimos.
Um dos pescadores disse para eu tomar cuidado com a anêmona. Bem perto dela, uma água-viva, viva além da conta. Já era tarde. Eu me aquietei e me conformei em analisar as cores que pipocavam com alguns tímidos raios solares dentro daquele aparente saco transparente e sem força. Minha mão ardia, num grito de pele ardia mais ainda. Enganei-me por um instante, como se eu fosse, realmente, todos os meus brinquedos que imitam gente. Fui espiando. Percebi uma cauda, rabo se trifurcando, cada um dos filamentos com uma bolinha na ponta, que fazia uma estrela. Era o único lugar que acusava uma cor real e nítida, a amarela. No interior daquela estrela despontaria, um outro rabo, pequeno, quase imperceptível, com uma substância estranha, com a capacidade de queimar.
Meus brinquedos tinham razão quando me avisaram que eu ia me deparar com uma água-viva, ser alertada, saber que me queimaria, sentir vontade de tocá-la, recuar, recuar de novo, por curiosidade tocá-la, sentir um beliscão, sentir um queimor instigante. E como não admirar Lucena e seus labirintos tão planos, além das pedras? Quero voltar lá, quero ver se resisto à cicatriz de algo menos faquiresco, menos animal caravela: olhar aquela linha que atravessa de um canto a outro, lá longe, no fim do mar. Espero que não seja o fim do mundo.
Texto publicado no jornal A União (PB), 2006