Ser rata de jornal foi uma honra.
Aprendi muito com o factual, com a batida do cotidiano, a escrever o que eu via
e ouvia na realidade. Comecei a compreender até onde o ser humano é capaz, tanto
em prodígios quanto atrocidades. Os ratos, uma das gírias do mundo
jornalístico, são os que saem com a vassoura, no lixo, no fechar das portas, com
a coluna precisando de afago e os pés arrastando o dever cumprido. São os que
produzem as matérias de última hora, as mais quentes, para fechar mesmo o
barraco.
Meu trabalho atual com revisão e
assessoria e aula, além do estudo, não deixa espaço para essas ratices. Mas, sinto
saudades boas desse aprendizado, que levo para a vida toda e quero compartilhar
nesta crônica. Alguns sobreviventes ainda estão por lá, em alguma fenda do
navio, incomodando muita gente. Um tipo de gente que não suporta ver suas
imperfeições reveladas.
Os episódios da rua, antes de se
transformarem em textos, são contados com detalhes numa redação. Quase obrigatório.
Chegou, contou. A turma escuta, com atenção. Silêncio total. Aí, comenta.
Prevê. Julga. Prende. Demite. Solta. Elege. Expulsa. Chora. Comemora. Só ali,
nos bastidores. Nem que seja num punhado de cinco ouvintes.
Redação é um espaço pequeno para
tantas informações que saltam ao mesmo tempo. A convivência é quase diária. As lacunas
são os dias de folga alternados. Não existe normalidade para sábado, domingo,
feriado e família. Existe administração de horários. As faces se cansam, às
vezes. O estresse é constante: cada cabeça com seu grau. Remédio para combater:
piada. Música. Comida. Salgadinhos. Bala. Chiclete. Café. Barris e barris de
café. Chá. Contêineres de paciência. Risadas sem fim.
Todos ganham apelidos. Um aperreia
o outro com carinho, senão estraga. Os temas são os de sempre: a cor da pele, o
peso, o bairro onde mora, o time do coração, a religião, a cidade onde nasceu. Gracejo
com o que for possível. Com o corte ou a pintura do cabelo, com a roupa, com o
bloco de anotações, com a caneta, com os óculos, com as unhas.
Se é casado, se é solteiro, se é
divorciado, se levou um fora, se anda a pé ou de ônibus, se come PF ou pede
marmita, se vai ao self-service ou ao pastel com caldo de cana. Se compra
fiado. Se anda de táxi. Se foi ao show. Se frequenta os Alcoólicos Anônimos. Se
foi cantado pelo entrevistado, se foi agredido pelo entrevistado, se o entrevistado-candidato
pediu voto. Uma máquina de perguntas.
Gente, que escola boa. Os tímidos
sofrem. Os bem chatos não duram. Os sonsos fingem que não entendem. O propósito
do editor, o time único: cada integrante com sua tarefa; e, como soldado em
missão, só sossegar quando cumprir todos os itens, à risca. Como o roedor
escondido nas bordas das caixas empilhadas, saindo somente expulso, com o
cansaço escrito na testa, dizendo graças a Deus por mais um dia, dando tchau ao
pessoal da limpeza. Até amanhã. Até.
Freepik |