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Bom dia. Sabendo que meu público-leitor é sagaz, não preciso dizer que esse título é uma grande inverdade. Ainda estou analisando o vetor do problema, dentro do tema que trata sobre autores de livros com mania desse tudo. Tudo, tudo, tudo. Tudo sobre tal assunto. Tudo sobre tal pessoa. Tudo mesmo. Eles garantem e vendem, e muito.
O que é, então, o tudo, pergunta o
filósofo Parmênides a si mesmo, há mais de quinhentos anos antes de Cristo. Se
Professor Raimundo estivesse diante de tal fato, perguntaria a Rolando Lero por
que Parmênides se dedicou a discutir o abstrato. Rolando, com seu semblante
risível de aluno preguiçoso e fraudulento, diria que o grego bebeu algumas
doses a mais, durante uma festa com Zenão, numa taberna bastante disputada pela
nata intelectual.
O abstrato é uma linguagem corriqueira,
mas ainda acessível para poucos. Podemos considerar que sofre preconceito, por
suas características não tão evidentes. Nossa mente muitas vezes processa o que
está exposto com mais clareza, o que está mais burocraticamente revelado. O
nosso cotidiano é o responsável por isso: a roda-viva nos instiga a querer o
óbvio, a não enfrentar o que não está, de certa forma, perceptível. É assim que
os títulos dos livros que citei como exemplo conquistam os que querem as
respostas sem esforço, dispostas numa bandeja de prata. Se possível, em ordem
alfabética.
A linguagem abstrata nos oferece
amplas possibilidades de análise. Quando produzo minhas colagens, gosto de
pedir a alguém para avaliar, à primeira vista, o quadro. Depois, peço a mais
alguém e mais alguéns. Não importa se fulano acerta ou cicrano erra ou beltrano
se aproxima. Importa que cada um, com seu maquinário cognitivo, proporciona uma
chance a si mesmo para entrar, com maestria, no túnel de significados. A
leitura de uma obra de arte auxilia a descortinar nosso próprio olhar. É um
exercício gostoso. Um treinamento diário.
Então, diante disso tudo, fico
imaginando o que dizer ao meu amigo Parmênides. Nas livrarias, físicas ou
virtuais, estão lá os livros que dizem que falam tudo sobre determinado assunto.
Não confundir, por favor, o que o cineasta Pedro Almodóvar fez em Tudo sobre
minha mãe. Pedro não é bobo e fez o título de forma provocativa, forma que,
aliás, paira sobre toda a sua produção.
E esse tudo dos livros não está
sozinho na fila do pão. Com ele, os que acham que contam a verdadeira história.
A verdadeira história dos vikings, a verdadeira história de Cinderela, a
verdadeira história de Dom Pedro II, a verdadeira história da Amazônia. Paremos
um pouco para estudar, primeiro, a verdade. Sem dúvida, uma constelação se abre
num céu de argumentos e certezas, conceitos e mistérios, fórmulas e tabelas.
Procuro as estrelas. Enquanto
isso, pego meu telescópio construído de açúcar e mergulho nas perguntas. No
fundo do mar das inquietações, uma concha pede para ser aberta. A pérola está
lá: um belíssimo ruído que invadiu um corpo estranho. Sua apresentação é mais
do que concreta, mas o abstrato a tonifica, desde sempre. E ainda achamos tempo
para dizer que o nada não existe.