Estive
pensando, pensando. Tomei algumas decisões que pareciam urgentes. Vou fazer uma
limpeza gramatical de pensamentos. As figuras de linguagem me auxiliarão nessa
viagem. Economizarei alguma coisa, eliminarei esforços, vou tangendo os burros
da estrada. É eliminação e, ao mesmo tempo, perfume. Trata-se de uma daquelas
faxinas que aproveitam alguma quinquilharia guardada, com cheiro de mofo, e
que, se sacudida, expele algumas lembranças. No meu caso, ao tomar coragem para
a tarefa, as bactérias já se inscreveram para participar.
Fui pensando e
decidi que era uma daquelas limpezas que dependem de alguns dias, em momentos
diferenciados. Algumas podem ocorrer até em sonho, em camadas. Vou me atirar na
gramática do asseio, pois a gaveta da memória guarda figuras desnecessárias. Se
possível, capturo um pleonasmo daquele pensamento trancafiado, que há muito não
batia à porta. Ao mesmo tempo, vou hidratar umas prosopopeias, com seres que
precisam de voz e vez, aspas, travessões, significados, expressividade. Não
vejo problema em leitões falantes, como Marquês de Rabicó. Preste atenção no
seu gato, na sua árvore, na sua ametista: todos falam. Tudo isso é provável, em
se tratando da aldeia dos pensamentos. E se a preguiça bater? Silepse. Uma
chinelada nas frases imaginadas. Silepse de gênero, número e pessoa: olimpíadas
transmitidas pelos neurônios.
Posso até
hibernar nas convicções, sem metáforas. Sim, porque algumas merecem ainda meu
estacionamento inteiramente gratuito. Algumas têm cara de eternizadas. Ao
cansar de ironias, vou ser mais simples, com postura de comparação. Farei uma
limpeza pública, em certos casos. Quero ser mais clara e ágil no pensar, menos paranoica,
menos entrevada de elipses, também menos recheada de paradoxos. Bem menos
paradoxos. As figuras aqui estão libertas dos dicionaristas. Elas simplesmente
entraram no texto com vassoura, pano, rodo, aspirador. Tudo bem.
Não reclame
comigo, pois vou me jogar nas metonímias, nos polissíndetos, numa música sem fim,
num concerto que será regido num florestal de culturas. Repetições para os
pensamentos bons. Por que me limpar deles? Muitas repetições. Uma mistura de livros.
Umas sequências bem permissivas com a palavra, que é gente. Gandaias de
símbolos. Por que não um poema no prato? Para as hipérboles, para as catacreses,
para os sucos de graviola, vou dar uma chance. Se for tudo muito árduo, paro. Respiro.
Em dia marcado
e bem intencionado, vou realizar um banquete para as antíteses. Quero saber se
elas mesmas serão capazes de se olhar, de encarar essa brincadeira com
seriedade. Quero saber se elas vão disputar mesmo no ringue. Em seguida, proponho
uma dança com os eufemismos, todos os eufemismos, uma ciranda de eufemismos, para
que não nos cansemos tanto, para que a realidade não esculache com as singelas
festinhas de aniversário. Os eufemismos serão sempre um bálsamo depois da
limpeza pesada.
Vou fazer
aquela faxina mesmo. Meus desejos em aliteração saltitam. Minhas ideias em
gradação: certo, tranquilo, concordo. Antes, porém, pausas. Pausas. Pausas. Darei
uma larga chance à anáfora. Agora. Vamos limpar, vamos pensar, vamos organizar.
Darei uma larga chance ao glúten. Darei uma larga chance àqueles prazos para
começar a malhar. Darei uma larga chance aos derivados de suínos. Darei uma
larga chance ao sertanejo universitário. E, após essas vacilações conscientes,
já estarei em paz com a minha hora da faxina, com caneta, papel e desinfetante
de eucalipto. Quilos e mais quilos de lições. Outras figuras de linguagem ficarão
à espreita, querendo entrar aqui. Aguardem. Transformem-se.
Nenhum comentário:
Postar um comentário