quinta-feira, 11 de agosto de 2016

A gramática da limpeza
















Estive pensando, pensando. Tomei algumas decisões que pareciam urgentes. Vou fazer uma limpeza gramatical de pensamentos. As figuras de linguagem me auxiliarão nessa viagem. Economizarei alguma coisa, eliminarei esforços, vou tangendo os burros da estrada. É eliminação e, ao mesmo tempo, perfume. Trata-se de uma daquelas faxinas que aproveitam alguma quinquilharia guardada, com cheiro de mofo, e que, se sacudida, expele algumas lembranças. No meu caso, ao tomar coragem para a tarefa, as bactérias já se inscreveram para participar.

Fui pensando e decidi que era uma daquelas limpezas que dependem de alguns dias, em momentos diferenciados. Algumas podem ocorrer até em sonho, em camadas. Vou me atirar na gramática do asseio, pois a gaveta da memória guarda figuras desnecessárias. Se possível, capturo um pleonasmo daquele pensamento trancafiado, que há muito não batia à porta. Ao mesmo tempo, vou hidratar umas prosopopeias, com seres que precisam de voz e vez, aspas, travessões, significados, expressividade. Não vejo problema em leitões falantes, como Marquês de Rabicó. Preste atenção no seu gato, na sua árvore, na sua ametista: todos falam. Tudo isso é provável, em se tratando da aldeia dos pensamentos. E se a preguiça bater? Silepse. Uma chinelada nas frases imaginadas. Silepse de gênero, número e pessoa: olimpíadas transmitidas pelos neurônios.

Posso até hibernar nas convicções, sem metáforas. Sim, porque algumas merecem ainda meu estacionamento inteiramente gratuito. Algumas têm cara de eternizadas. Ao cansar de ironias, vou ser mais simples, com postura de comparação. Farei uma limpeza pública, em certos casos. Quero ser mais clara e ágil no pensar, menos paranoica, menos entrevada de elipses, também menos recheada de paradoxos. Bem menos paradoxos. As figuras aqui estão libertas dos dicionaristas. Elas simplesmente entraram no texto com vassoura, pano, rodo, aspirador. Tudo bem.

Não reclame comigo, pois vou me jogar nas metonímias, nos polissíndetos, numa música sem fim, num concerto que será regido num florestal de culturas. Repetições para os pensamentos bons. Por que me limpar deles? Muitas repetições. Uma mistura de livros. Umas sequências bem permissivas com a palavra, que é gente. Gandaias de símbolos. Por que não um poema no prato? Para as hipérboles, para as catacreses, para os sucos de graviola, vou dar uma chance. Se for tudo muito árduo, paro. Respiro.  

Em dia marcado e bem intencionado, vou realizar um banquete para as antíteses. Quero saber se elas mesmas serão capazes de se olhar, de encarar essa brincadeira com seriedade. Quero saber se elas vão disputar mesmo no ringue. Em seguida, proponho uma dança com os eufemismos, todos os eufemismos, uma ciranda de eufemismos, para que não nos cansemos tanto, para que a realidade não esculache com as singelas festinhas de aniversário. Os eufemismos serão sempre um bálsamo depois da limpeza pesada.


Vou fazer aquela faxina mesmo. Meus desejos em aliteração saltitam. Minhas ideias em gradação: certo, tranquilo, concordo. Antes, porém, pausas. Pausas. Pausas. Darei uma larga chance à anáfora. Agora. Vamos limpar, vamos pensar, vamos organizar. Darei uma larga chance ao glúten. Darei uma larga chance àqueles prazos para começar a malhar. Darei uma larga chance aos derivados de suínos. Darei uma larga chance ao sertanejo universitário. E, após essas vacilações conscientes, já estarei em paz com a minha hora da faxina, com caneta, papel e desinfetante de eucalipto. Quilos e mais quilos de lições. Outras figuras de linguagem ficarão à espreita, querendo entrar aqui. Aguardem. Transformem-se. 




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