Um dia na Bica, dois cágados livres. A
velocidade deles, somente deles, naquele domingo com menos crianças do que o
previsível, debaixo de um céu nublado. Corremos todos, mas éramos poucos, para
ver outros dois cágados. Como se desvendassem alguma coisa, na terra, perto da
castanheira. Assustaram-se. Com o quê? Assustaram-se. Comunicaram-se por
olhares, um tônico, outro tácito. Na frente, um soluçando. O outro? Espirrando,
cremos.
Não sei se vou contar sobre o som daquele dia, na Bica, nublado,
cágados livres e assustados. Um enfezado, outro sonso. Um rabugento, outro
treteiro. De longe, um parecia pedra. Outro, besouro. De perto, um parecia
toca. Outro, folhagem. Assustaram-se. Ficamos todos assustados, éramos poucos,
tão assustados com o desenrolar daquela observação. Uma lagarta, logo ali,
alguém disse. Foi o suficiente.
Os cágados assustados, muito mais assustados,
não decidiam. Um agressivo, outro meticuloso. Um logo ali, espiando. Fingimos
não acreditar que passamos quase duas horas em conferência sobre o
comportamento dos quatro, um aparentemente robusto, outro aparentemente
franzino. Outro até simpático. Outro até nem tão hipocondríaco. Saber o que se
passa por entre a casca e o corpo? Um talvez incisivo, outro talvez paciente.
Sim, pois é, um biônico, a ponto de se heroificar. Outro, mais perto, ainda
mais rápido, tão rápido e chegando a um quase apelo. Estou falando de olhares.
Esqueçamos, por enquanto, os caminhares. Ali, vários temas para a nossa
conferência dominical, algo similar ao não ter realmente o que fazer de mais
estressante ou mais sério. Não é de fogo a lagarta, alguém gritou. Cada um que
queria ser mais biólogo do que outro. E sempre algum arriscava de conhecer o
ecossistema tal e plum. E sempre outro dizia que leu numa revista especializada
em xis e tchum. Ou viu em algum canal de TV, algo assim e coisa e rapadura com
côco. Ou alguém tinha visto algo inédito, surpreendente, magnífico ou
apocalipticamente supra e total da sensacional giganteza da informação, para
falar no mundo maravilhoso do bicho zê ou quê num cativeiro de não sei de quem.
Após tantas atrocidades com a nossa própria capacidade de pensar, um dos
cágados se escondeu. Não saía mais, para nada. Na própria casca, planejava. Não
esperamos para entender se o plano deu certo.
João Pessoa-PB, 2002
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