Minha vida melhorou muito, depois que eu comprei um varal portátil. Varanda, banheiro, área de serviço. Posso dominar minha vontade dentro da necessidade doméstica. As coisas portáteis são o retrato da modernidade ou a condensação de uma pressa inegável. Consumimos tempo, coisas, beijos e abraços. Economizamos tudo isso também.
Minha viagem a Cajazeiras em janeiro contou com gratas
surpresas. O que minha família faz por mim nem é surpresa, mas eu espero com
aquela criancice de quem espera um presente.
Por outro lado, não encontrei algumas pessoas queridas na
cidade. Logo se vê que meu coração não é portátil. Meu padrinho João de Deus não
estava em sua casa ou mesmo numa viagem a João Pessoa, passando uns dias. No
meu ouvido, sempre aquela melodia, da Ave Maria, de Gounod. Agora sim, faz
ainda mais sentido e saudade.
Dona Zefinha não estava mais na sala da sua casa, me
esperando para uma boa conversa. Zazá também não estava mais na loja, para
brindar meu dia com sua fineza habitual. No sábado da feira livre, não
encontrei Pedro Revoltoso, com seu carrinho para vender rifa e falar do futuro
do Atlético. Na despedida de Dona Nancy, eu, realmente, não tive coragem de
comparecer.
Minha viagem foi boa, mas não posso esconder que também
foi um alinhavo de achados e perdidos. No município, achei que o aeroporto
estivesse bem encaminhado. Seria meu lugar portátil daqui a alguns anos. O
avião pousaria na região do Sítio Santo Onofre. Pronto. Com quinze ou vinte
minutos, eu estaria na Rua Sousa Assis, pedindo bênção a meu pai e minha mãe.
Não sei se meu sonho portátil foi quase desmoronado.
Posso empregar o gerúndio: está sendo. É a construção verbal mais tolerante. Posso
dizer que o aeroporto era ou ainda vai ser. Foi ou teria sido. Eita! Nossa
língua é bela e cheia de armadilhas. Nossa língua somos nós mesmos.
E o que será do Sítio Santo Onofre? Um pasto para gado portátil.
Um criatório de minhocas, um silêncio subterrâneo. Elas estavam esperando os
pousos das aeronaves. E se esconderiam ainda mais, preparando a terra para a
expansão do empreendimento. Mas, se não há realização, é claro que não há
expansão.
As galinhas dos sítios vizinhos cacarejariam com aquele
barulho de motor gigante. Continuariam sem entender muitos detalhes, como a
maioria das galinhas. A cidade inteira faria sua adesão a escalas e conexões,
pavores e praticidades, pacotes e promoções.
Minha opção continua sendo os aeroportos de Juazeiro do
Norte, João Pessoa, Campina Grande, Recife, Fortaleza... Em seguida, um longo
asfalto até o Centro de Cajazeiras. Por enquanto, sinto falta de tanta gente e procuro
aquela voz exemplar de aeroporto: “Atenção, senhores passageiros...”
Sempre por ser aquela voz que nós nunca esperamos e nos pega naquele momento de surpresa ... espero que venha carregada de boas notícias !
ResponderExcluirGrande Zulu! Vamos esperar com fé, então. Abraço... :D
ExcluirAdorei este texto, amiga Cristina. O pouco de melancolia que senti imaginando o sentimento de saudade de pessoas queridas, foi substituído pela alegria quando li "as galinhas...continuariam a entender muitos detalhes, como a maioria das galinhas". No mundo imagético de hoje, conseguir fazer rir por meio de palavras é a colheita valorosa dos bons escritores. Manu
ResponderExcluirGrata, Manu! Minha missão é escrever, portanto. Beijos. :D
ExcluirBoa observação da Manu! Lembrei das galinhas do meu quintal, ri e concordei mentalmente com a frase, rsrs.
ResponderExcluirTexto bom é assim, faz a gente embarcar junto com as palavras!
Legal, Jessica! Que bom que consegui fazer você embarcar. Beijos. :)
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