Dentro das gavetas do pensamento
há aquela poeirinha esquisita de mágoa, que vai se amontoando com outras
poeirinhas que entraram com o vento. Sim, entraram. Entraram com o vento,
depois de abertas naquele dia propício a pequenos ranços enlatados em
suposições. Cada suposição mergulhou numa reclamação enrabichada em outros
pensamentos, de outras gavetas de ideias. Cada ideia conteve, em sua essência,
um fragmento de quase certeza, aspecto duvidoso de coisa pensada e polida com
garatujas de frases feitas. Chamemos os bombeiros.
O armário de sentimentos é
poluído, pouco a pouco, sem que a pessoa perceba que cada papel foi sucumbido à
colônia de traças enganosas, as mesmas que contaminaram os grandes planos que
ainda se construíam. Para articular o cemitério de bugigangas, o pensamento, se
não vigiado, vai se aglomerando num canto de parede, cujas aranhas em teias
recém-descobertas serão as próximas a confabular segredos. Se não vigiada, cada
cera de pensamento vai, de forma amalgamada com outras ceras, assando um bolo
de machucados, com feridas semiabertas, prontas para a apreciação dos
mosquitos.
Muitas vezes, se não vigiado, o
pensamento vem com os próprios mosquitos, estes com capacetes superpotentes,
capas heroificadas, e prontos para o ataque. Vêm, ainda, na mesma comitiva,
tabletes de ilusões. Caso não tenhamos o mínimo de cuidado, cada ferpa vai se
coisificando nas cortinas da memória e formando um alambrado de recordações que
nem deveriam ter sido erguidas.
Outros insetos são ativados,
aqueles microscópicos, e as quinquilharias ganham voz. Quando pensamos que não,
já falamos. Pois é. Desse jeito é o universo dos pensamentos, os primeiros a
largar na corrida, querendo chegar a um pódio qualquer, a depender da direção
da nossa carreta. A cada vontade surrupiada pela mudança de tempo, o pensar
começa a ser governado por um besouro, daquele mesmo modelo que circula a
lâmpada. Voltas e voltas. Voltas e voltas.
Cada raspa de grude no coração é
um zíper se abrindo, lentamente. Abre em tom de suspense, para que bactérias do
além, montadas em dromedários do passado, possam operar num violento murmúrio. Esse
tipo de passado, que não volta ou auxilia, é feito datas mumificadas, que provocam
uma caravana de restos de sujeira, aqueles lixos que dependem de uma boa
vassourada com pinho e eucalipto. Cloro também, para inteirar o pacote de
lembranças. Quem estaria livre desses guardados. Quem estaria totalmente em dia
com as sensações. Quem. Pergunto.
Cada tablete de pensamento, em
camadas e camadas de desejos, flutua num silencioso cofre de sonhos. Sonhos que
podem até ser realizados. Sonhos que podem até favorecer um mundo mais
tranquilo. Sonhos que podem até ser compartilhados. Sonhos que podem até ser
trilhados num caminho mais pueril. Sim. Ao som de doces melodias, ao som de
sabiás, ao som de corais natalinos, ao som de crianças brincando na hora do
recreio. Sim. Pensamento é arte.
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