A hipnose era certa. A Parada das Miudezas, no
meu regimento, seria sempre uma visita obrigatória. Para uma criança de cinco
anos de idade, no entanto, essa entrada dependia de quem liderasse o roteiro. Certa
vez, Titia Nina foi a condutora das minhas aventuras no Centro comercial. Passar
no Mercado Público, procurar um produto, dar um recado, verificar preços, beber
caldo de cana, comer pastel, conversar e conversar. Eu já fazia reportagens e
nem sabia.
Na
Rua Padre Manoel Mariano, a gostosa Rua dos Legumes, estava, então, a Parada.
Era comum, perto da entrada, avistar um varal, às vezes com balões e fitas,
expondo brinquedos. Todos convidativos. Todos à venda, com suas promoções, seus
dizeres, suas etiquetas penduradas. Nesse dia, com minha tia materna, meu olhar
fuzilou uma enorme bola de plástico. Hipnótica, linda, rosa-choque, pontilhada
de outras cores e tons cintilantes. Meu ego desejava. Fiquei pensativa.
De
forma racional, eu não teria onde brincar. Qualquer murro naquela nave espacial
rechonchuda seria um incômodo para a vizinhança. Meu endereço era na Rua
Coronel Justino Bezerra, a movimentada Feira das Galinhas, numa casa originada
pelo talento da equipe de Seu João Gonçalves, João Abelhinha. O formato das
casas era semelhante e os muros que separavam os quintais não eram tão altos.
Incomodar vizinho, nem pensar. Só se eu quisesse levar carão. Nessa época, Seu Fransquinho
e Dona Guida e filhos moravam do lado esquerdo; do outro, a família de Dona
Neuza. E eu tinha que dar um jeito. Fui maquinando.
Minha
tia, ao saber daquela ansiedade pelo consumo, propôs um exercício justo, mas
muito doloroso. Terrível. Eu ganharia a bola, mas jogaria fora a chupeta. Gente,
que martírio. Eu, na minha meninice profunda, aprendendo, num baque, o que era
o poder da palavra. Sim, eu aceito. Sim. Sim. No dia seguinte, lá estava o
brinquedo dos sonhos. Que alegria. Mas, na boca, ainda reinante a dita coisa salivada.
A
repreensão veio num foguete. Baixei a cabeça, segurando o consolo, tremendo,
tremendo. Uma tesourinha escolar foi cúmplice da cena. Cortei. Cortei devagarinho.
Cada rasgão era um balanço na minha memória. Mais um ano com a geringonça, a
mastigação estaria comprometida. A parte que sustentava o bico era meio
alaranjada, com um adesivo bonito e chamativo, mostrando um lago com uns
patinhos se divertindo. Adeus. Sumiram na lixeira.
A
Parada das Miudezas, loja do meu amigo Willame Braga, fez um benefício à minha
dentição e, sobretudo, ao meu caráter. Eu, a pequena consumidora, começava a lidar
com uma das formas mais duras de sustentar uma promessa. Com o presente nas
mãos, mudei na hierarquia, por minha conta. Com poucos centímetros de altura, fui
me achando no direito e no dever de auxiliar as colegas que ainda não tinham se
libertado da mania. Difícil. Faltava em mim a ciência didática.
Para
a espera de alguns adultos invejosos, a bola furou, em poucas semanas. Mas, confesso,
eu nem sentia mais falta da moeda de troca. Estava ligada na preparação para a
primeira série, uma nova etapa das letras e dos números. Abria-se o Primeiro
Grau, período essencial para formar muito do que sou. Os mosaicos da Escola
Nossa Senhora do Carmo indicavam outro momento do jogo. Sala maior. Uniforme
diferente. Meu Conga azul e branco, um amuleto. E um plano secreto já estava
traçado, rumo à próxima libertação: exterminar a colônia de piolhos da
cabeleira brilhante. A coceira insistia em me denunciar, em todo canto.
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